- oliveiras blues -, livro com conceito artesanal que saiu em
2014 pelo projeto exemplos da scenarium plural, que é mais
uma interferência inovadora e maravilhosa na cena editorial
atual da escritora lunna guedes, ganhou de presente do meu
bróder escobar franelas uma resenha emocionante diante da
qual tudo que eu disser será pouco e insignificante, razão
pela qual vou amparar-me no velho, simples e surrado, mas
mui eficiente muito obrigado para agradecer o parceiro com
quem compartilho tantos destinos e caminhadas culturais.
gracias, meu compadre.
Oliveiras Blues - A alquimia poética de Akira Yamasaki
“oh pássaro breve
leve-me leve”
A Poesia é, das expressões da Arte, talvez a que melhor traduza a
sensorialização do bicho humano diante das coisas do mundo e da vida.
Pela sua própria forma de exteriorização (a escrita e a audição), a
Poesia requer instrumentos específicos de emissão e recepção para que se
manifeste. A boca, a mão, o ouvido (logo, a fala, o gesto e a
interpretação), fazem dessa arte a tradução da vida. Se um dia for
extinta a força que impulsiona o ser vivente à criação e fruição do
êxtase artístico, é porque a vida está encerrada aqui sobre essa camada.
Impossível imaginar o homem sem o insight criador da Poesia, elã que o
liga ao mistério que o diviniza.
O blues é quase um mantra, música
cantada ao léu por negros escravizados nos campos de algodão em toda a
vastidão do sul estadunidense, traz em sua melodia todos os exílios do
homem. Tanto lamento como evocação divina, o blues é exaltação da
África natal, é memória de seus mitos, lendas, guerras e amores.
Ler, portanto, “Oliveiras Blues”, segundo livro de uma produção
caudalosa de um poeta brasileiro descendente de japonês, nascido no
interior de São Paulo e crescido nos rincões da periferia de Sampa,
parece um desencontro geográfico que só a Arte pode corrigir. Akira
Yamasaki, nesta obra que homenageia o bairro onde vive, reafirma e
reforça o raciocínio que tento elaborar. Demiurgo poético cujo
refinamento vem da contemplação transparente e da reflexão nua, ao Akira
pouco importa do que é feita a pedra, pois o melhor de sua alquimia é
burilar essa pedra de tal forma que ela vire qualquer coisa em sua
linguagem, em seu instinto criador. Assim, um simples olhar de um boi
condenado vira mote para um texto que nos embriaga:
“nunca esqueço
uma cena de infância
uma volta da pescaria
uma curva na estrada
um boi amarrado
pelas patas e pescoço
em duas árvores
uma marreta
ainda hoje me assombra
o olho do boi”
Uma reflexão materna ilustra todas o desmedido amor de todas as mães do
mundo: “(...) esse é treze de pedra e não tem cura, de hoje em diante
só vou amá-lo e seja o que deus quiser”.
Também há uma vontade incontrolável de versejar a amada e a ela oferecer tudo o que sua matéria-prima permitir:
“fiquei do outro lado
da rua da sua casa
sob a garoa da saudade
ficou no meu coração
enterrado para sempre
o punhal do seu perfume”.
E, justificando o título, o filho dileto presta culto à terra onde
fincou suas raízes, o Jardim das Oliveiras, no extremo leste da cidade
de São Paulo:
“bem que estranhei
o movimento incomum
nos últimos dias
mas só hoje eu soube
pelo cara do churrasquinho
que fica na porta
da rainha do oliveiras
houve, alguns dias atrás
uma rebelião na fundação
coisa feia mesmo
só para constar
o diretor da instituição
ainda está na uteí
queima de colchões
queima da unidade
queima de arquivos
e uma pá de moleques
pá pá pá nas ruas
por mera coincidência
vi dedo mole de novo
adequado ao padrão fifa
tênis da mizuno
boné do neymar”
Akira tem a peculiaridade de pegar a crônica mais vã, a mais prosaica
visão do cotidiano e transformar, com toques sutis de poeta genial - que
ele de fato é - a trama refinada que lembra a confecção de um tapete
persa fino e raro. Este “Oliveiras Blues”, que poderia trazer o peso
quase insustentável da musicalidade densa e etérea oriundas das fazendas
ensolaradas do sul dos Estados Unidos, confunde, e traz o frescor da
nota que não saiu na página policial do jornal. Traz o lirismo que
desconcerta o leitor, a luz que destoa do cinza previsível da rotina. O
brasileiríssimo poeta, descendente de orientais, que se dá ao luxo de
abrir mão de régua e compasso na elaboração de suas composições, o
generoso articulador cultural que mantém vários projetos de produção
artística na região aonde mora, Akira Yamasaki, neste novo livro (o
primeiro foi o já clássico “Bentevi, Itaim”, de 2012), proclama com
clareza tão óbvia que até nos tonteia:
“não adianta portos
navios e oceanos
se não há acenos
partidas e chegadas”
Em tempo: “Oliveiras Blues” é um dos quatro títulos da série
E.X.E.M.P.L.O.S., desenvolvida pela editora Lunna Guedes para a
Scenarium Plural. Todos os livros dessa série foram feitos manualmente.
Escobar Franelas.
Nenhum comentário:
Postar um comentário