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resenha esperta de escobar franelas sobre o blablablá de março
"Blablablá de março na Casa Amarela - como foi?"
Sempre que numa determinada noite de sábado acaba mais um Blablablá na
Casa Amarela – Espaço Cultural, dois sentimentos se misturam em mim. O
primeiro é o prazer que revigora minhas energias e quase que me exige
que se continue o debate, mesmo depois das luzes apagadas e do cenário
desfeito. O segundo é quase o contrário, um desconforto da utopia, que
se alitera em outras sensações e provoca um curto-circuito diante da
impotência de realizarmos muito daquilo que sonhamos por algumas horas.
O Blablablá nasceu da procura pelo entendimento daquilo que está
acontecendo hoje no universo da periferia e da produção cultural
independente. Curiosos, nós, da Casa Amarela – Espaço Cultural,
cometemos a ousadia de querer decifrar o que é “sarau” e outros
fenômenos culturais que permitem o protagonismo do produtor e do artista
marginais, sem que sejam vistos pelo viés quase exclusivo do exotismo,
do burlesco ou do quixotismo. A periferia sempre teve uma intensa
produção cultural com características muito próprias que sempre foram
vistas pela mídia “oficial” como algo inusitado, quase como uma visita a
um zoológico humano. Logo, quando a vivência das ações desempenhadas,
memórias reunidas, troca de experiências e problematizações repensadas
entre os convidados do Blablablá, tudo isso realizado num espaço simples
por pessoas que vivem e compreendem a realidade social que o senvolve
sem romantismo juvenil, serve como mola propulsora para as novas idéias
que surgem no calor das discussões que o debate suscita. Identificar e
aplicar esse turbilhão de idéias é um dos vetores que norteiam as ações
da Casa Amarela.
Para a edição de março, o Blablablá teve como
convidados Vânia Cardoso Coelho (escritora – autora de livros como “Os
Inocêncios” e “Ritos Encantatórios”, entre outros, e que também é
jornalista e docente da Universidade de Guarulhos – UNG, nascida e
criada em Itaquera, atualmente vivendo no Tatuapé), Fernando Torres de
Andrade (autor do livro de contos “para quando o entulho soterrar os
joelhos”, que conhece o Tucuruvi como poucos) e Akira Yamasaki (poeta e
produtor cultural, autor do livro “Bentevi, Itaim”, morador do Itaim
desde a infância e atuando na região de São Miguel há mais de 35 anos).
Akira supriu a ausência de André Marques, cordelista e cantador baiano
que, por motivos familiares, cancelou uma turnê que estaria fazendo em
Sampa nesta semana.
Se André fez falta, sabemos bem. Mas sabemos
também que Akira contribuiu para elevar, com sua história
personalizadíssima e sua argúcia nipo-brasileira exarcebada, o nível da
discussão para índices estratosféricos.
Fernando apresentou-se
contando da experiência de ler preencheu quase a totalidade de sua
adolescência, tomando muito do seu tempo, inclusive o de trabalho.
Vânia, inquirida sobre o fato de escrever em vários gêneros textuais,
contemporizou e reafirmou seu compromisso com a arte e a busca de uma
satisfação pessoal durante o ato libertador de escrever.
Akira fez
uma explanação detalhada de sua chegada a São Paulo,ainda menino, da
primeira experiência como borracheiro, e de como descobriu na escrita a
afirmação do ser. Ligou estes fatos numa linha do tempo, justificando o
encontro com outros artistas de São Miguel e região como embrião
catalizador de sua expressão que tornava-se, a partir então, arte.
As provocações foram se sucedendo, com a participação ativa da platéia.
Fran Nóbrega, Eder Lima, Zulu de Arrebatá, Luka Magalhães, Paulinho Dhi
Andrade, Sueli Kimura, Alexandre Francisco, muitos dos presentes
problematizaram questões sempre pertinentes com o universo literário e
sua produção no âmbito periférico.
Em momento oportuno, Paulinho,
também autor, questionou como cada um lançou seu primeiro trabalho.
Fernando salientou a dificuldade no contato com as editoras, ao passo
que Vânia enfatizou a relação profissional estabelecida já na publicação
de sua primeira obra (Ritos Encantatórios, ensaio, pela editora da
PUC), enquanto Akira citou a “ação entre amigos” como motivadora de sua
publicação, “Bentevi, Itaim”. Três experiências diferentes.
Outro
momento de grande relevância foi quando, instados pela Fran que,
visitando a Casa Amarela pela primeira vez, teve uma participação muito
assertiva. Trazendo para a arena das discussões conceitos como o de
beleza, ela acendeu o pavio para uma prolífica conversa. “A beleza é um
dogma que todo mundo traz”, sintetizou ela. Ao que Vânia interpelou, “o
Belo é mutável conforme a sociedade”. Eder Lima, músico, artista visual e
professor, avançou ainda mais no terreno pantanoso do tema. Segundo
ele, “o Belo reproduz um pensamento do homem ocidental e está
configurado dentro da Filosofia, no campo da Estética”. Akira
complementou com outra linha de raciocínio: “fiquei quase 20 anos sem
escrever, estava mutilado, exilado... escrevo por necessidade. Não sei o
que é Beleza, não sei o que é Poesia. Para mim, Poesia é uma espécie de
encantamento”.
Encantamento para Akira, libertação para Fernando,
grito para Vânia, fato é que a “poiésis” foi a grande contemplada no
Blablablá. A soma de todas as vozes criaram um coro quase uníssono de
que independência artística, se há, ainda é um campo a ser conquistado. A
produção e – principalmente – a distribuição do produto artístico ainda
é o grande calcanhar de Aquiles. E que tudo isso passa pela necessidade
onipresente, auspiciosa e emblemática da formação de público.
Finalizado o evento, o blá blá blá continuou pelas salas, corredores e
até a garagem da Casa Amarela. Pois idéias, planos, sugestões e
motivações não faltam a cada um dos que estiveram presentes. Motivos
suficientes para celebrar o encontro, “a arte do encontro”. E também
para celebrar a vida, “a arte da vida”.
(Escobar Franelas)
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