segunda-feira, 7 de dezembro de 2009

Réquiem para seis córregos








réquiem para seis córregos


seis córregos franzinos
seis viagens sem volta
um ribeiro lajeado
seis alvos sem escolta

seis indefesos reféns
seis caminhos tortos
um itajuibe riacho
seis pássaros mortos

seis cânticos de revolta
seis torrentes de peçonha
seis crianças brincam
seis silêncios de vergonha

seis feridas dilacerantes
no meio da noite sem fim
seis preces lancinantes
rasgam meu pobre Itaim

seis peixes no aquário
seis esgotos pungentes
sessenta mil ratazanas
todas gordas e contentes

um itaquera itaqueruna
um ano e seis enchentes
seiscentas leptospiroses
três pontes impotentes

seis políticos de ocasião
sessenta discursos pró forma
um exército de burocratas
seis decretos seis mil normas

seis toneladas de lixo
no meio da noite sem fim
seis mil lágrimas de mães
rasgam meu pobre Itaim


um tijuco preto preto
seis favelas penduradas
seiscentas crianças brincam
seis mil aves sufocadas

seis borboletas amarelas
seis projetos engavetados
seis córregos sobrevivem
mesmo após assassinados

um negro água vermelha
seis anjos cancelados
seis emissários de bosta
seis punhais encravados

seis córregos agonizam
no meio da noite sem fim
seis gritos de socorro
rasgam meu pobre Itaim


Akira



Comentário de Job Merlim

"Caro Akira,

É impossível me calar diante da qualidade de seu poema.
Creio ser de ordem ética falar aos quatro cantos de suas qualidades formais.
Se minha formação como professor de literatura não servir para acrescentar novos clássicos aos nossos ainda mal lidos Drummond, Bandeira, Cabral, etc, não sei, então para que ela serviria.
No caso de qualquer boa poesia, são justamente as qualidades formais que dão a força expressiva ao texto.
Sem essas qualidades, um pretenso poema vira apenas manifesto de ocasião.
A estrutura elaborada por você, nas quadras, com métrica de redondilha maior e as rimas apenas nos versos pares orienta a leitura para uma fluidez de rio - nesse caso - também em função do conteúdo - um rio agitado pela revolta do poeta, expresso nos matizes semânticos trazidos pelos vocábulos escolhidos.
A força de seu texto também está presente na repetição obsessiva dos número ou em algus casos, um correlato: "exército", sugerindo grande quantidade, no caso de "burocratas". Os burocratas junto com exército sugerem poder innstitucional para subordinar e, como "exército", para subordinar através da força.
A ausência de pontuação também ajuda a fluência, na passagem sem interrupção de uma estrofe à outra. Se o córrego está morto, a indignação se expressa como um rio caudaloso e agitado através da riqueza de seu poema.
Considerando o réquiem como forma musical, eu diria que ele lembra o movimento Dies Irae e me lembra mais especificamente o Dies Irae do Réquiem de Lizt.
Caso a situação se reverta, como espero que sim, o poema fica pelo valor próprio e não apenas como manifesto.

Abraço,

Jobi"

Um comentário:

  1. Caro amigo fico muito feliz que Vc. esteja em plena forma e vigor poético. Ainda outro dia eu estava separando alguns livros para doação e deparei de cara com "Clarice" (não doei) aquela pérola. Aliás seria muito interessante se Vc. o publicasse em seu blog.
    Vjo. que a realidade faz com que nossos conteudos sejam mais ou menos os mesmos. Outrora precisavamos falar das favelas e ocupações do Robru hoje precisa se falar das inundações e lixo nos rios, etc.
    Ontem ou hoje, sua forma e estilo continuam intactos, integros, fidelissimos. Isso é o que interessa. Não conheço nenhum cronista/poeta do cotidiano que supere sua forma. Vamos enfrente.Grande abraço.

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